Archive for agosto, 2011


As Festas de Agosto de Montes Claros representam momento de muitos encontros. Neste ano, em especial, os povos e comunidades tradicionais do Norte de Minas integraram as programações do evento.
Na tarde de sábado, dia vinte de agosto, depois de uma manhã de debates sobre Povos e Comunidades Tradicionais, eram esperados com expectativa representantes do grande Quilombo do Gurutuba, que viriam especialmente, para se apresentar no Solar dos Sertões e encantar com sua força e o ritmo do batuque a cidade de Montes Claros. Porém, recebemos a triste notícia do acidente com o veículo que transportava o grupo, o que causou a morte de sete homens e duas mulheres, incluindo o motorista, deixando onze feridos.
Mais do que um grupo de cultura popular, como veiculado pelos meios de comunicação, os Gurutubanos que se deslocavam para Montes Claros eram lideranças importantes para os processos de auto afirmação étnica e luta por direitos, além de pessoas queridas.
Eles traziam em si contagiante coragem em defesa da luta por justiça, para si e para as outras comunidades tradicionais, com as quais compartilhavam sonhos, experiências e desenvolviam ações e agendas coletivas.
Desde a Constituição de 1988, o Estado brasileiro reconhece sua dívida histórica com as comunidades negras em função da violência e expropriação a que foram submetidas, sendo de sua responsabilidade, a regularização dos territórios pertencentes às chamadas comunidades remanescentes de quilombo. Especificamente em Minas Gerais, nenhum território foi demarcado até o momento. No caso do Quilombo do Gurutuba, o Relatório Antropológico e a proposta de delimitação do território já foram finalizados. No entanto, o cadastramento das famílias, sob responsabilidade do INCRA, se arrasta há mais de três anos. Há lentidão nesse processo, o que impede que as famílias tenham garantidas condições de autonomia e liberdade para viverem segundo suas tradições e costumes e, sobretudo, que o Brasil se constitua como estado democrático de direito.
Esta é a luta daqueles que morreram neste trágico acidente, daqueles que buscam direitos por meio de sua arte, cultura e trabalho de organização e articulação política. Eles e elas nos brindaram com seus conhecimentos, histórias e perseverança por uma vida melhor, com mais justiça e equidade.

Nosso reconhecimento a este legado e nossa solidariedade às famílias Gurutubanas.

Montes Claros, 21 de agosto de 2011.

Rede de apoio às comunidades quilombolas do Gurutuda

Comunidade de Pau Preto, margem direita do Rio São Francisco, município de Matias Cardoso – MG. Porto final da nossa viagem de barca “São Francisco rio a baixo”, 27 de Julho de 2011.

Nós do Grupo de Estudos e Pesquisa do São Francisco (Grupo de Pesquisa Opará) composto por professores e estudantes das instituições: Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), durante 10 dias de viagem descendo o São Francisco conhecemos comunidades das margens do rio e as suas gentes como lavradores, pescadores, quilombolas e vazanteiros. No percurso se juntaram a nós o Cícero Ferreira de Lima e a Zuleide Francisca dos Santos da Associação de Vazanteiros de Itacarambi. Neste percurso ouvimos relatos do viver diverso junto ao São Francisco; registramos a memória de uma ocupação intensa e antiga, os saberes e práticas culturais transmitidas entre gerações. Os relatos trazem a resistência cotidiana e também o sofrimento, os sentimentos de desqualificação no processo da modernização violenta e o descaso em relação às políticas públicas, na medida em que ações do Estado negligenciam ou mesmo reforçam conflitos pelo uso do rio, dos recursos presentes nas suas águas e margens.

Ao final da viagem na comunidade de Pau Preto, município de Matias Cardoso, presenciamos o ato de autodemarcação do território vazanteiro de Pau Preto, realizado pelos moradores e por pessoas e grupos que integram a iniciativa “Vazanteiros em movimento”.
Sensibilizados pela iniciativa nos decidimos manifestar de forma pública nossa solidariedade e nosso apoio à luta da comunidade de Pau Preto, que impactada pela criação do Parque Estadual Verde Grande se mobiliza frente ao Estado buscando o reconhecimento como comunidade tradicional e a demarcação do seu território. Almejamos que esta iniciativa seja a primeira entre muitas na luta pela vida e por direitos das comunidades do São Francisco.

Assim, firmamos o compromisso,
Carlos Rodrigues Brandão
Heinz Dieter Heidemann
Samuel do Carmo Lima
Andréa Maria Narciso Rocha de Paula
Maristela Correa Borges
Elisa Cotta de Araújo
Joycelaine Aparecida de Oliveira
Ângela Fagna Gomes de Souza
Rodrigo Herles dos Santos
Fernanda Amaro
Thais Dias Luz Borges Santos
Luciana Maria Monteiro Ribeiro

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Neste Momento, 105 famílias de três comunidades vazanteiras do rio São Francisco, Pau Preto, Pau de Légua e Lapinha, dos municípios de Matias Cardoso e Manga, em Minas Gerais, esforçam-se para dar corpo a um sonho comum, de viverem em seus territórios tradicionais com liberdade. No dia 24 de julho deste ano essas famílias retomaram a ex-sede da Fazenda Catelda e deram início à autodemarcação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Pau Preto, dando continuidade a um processo que vem sendo negligenciado pelo Estado desde 2006, quando iniciaram as negociações com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão que administra o parque Estadual Verde Grande que abrange a fazenda Catelda.

Como argumenta o manifesto distribuído na manhã do dia 24 de julho, a ação iniciada pelo “Vazanteiros em Movimento” tem o objetivo principal de “zelar pelo que é nosso”. Denunciam o descaso com a preservação do bioma próximo ao rio e com os direitos de suas populações, “o Rio São Francisco, suas lagoas, matas e ilhas estão expostos a uma situação de extrema degradação, consequência da inoperância do poder público, que não tem garantido a proteção das águas, nem dos direitos das comunidades ribeirinhas”.

As populações já vêm sofrendo junto com o Rio há muito tempo, devido à postura do poder público. Os controversos programas de desenvolvimento para a região renderam incentivos fiscais para a agropecurária – via Ruralminas -, grande projetos de irrigação como o Projeto Jaíba (o maior da América Latina), hidrelétricas e, mais recentemente, a transposição e os parques. Em cada etapa destes processos, as populações do rio se viam afetadas, porém sem voz, tendo que absorver os impactos sociais e ambientais e sendo pressionadas a deixarem seus territórios.

Procurando contornar a invisibilidade desses povos, integrantes da Escola Popular de Comunicação Crítica (Observatório de Favelas), Imagens do Povo, UFF e UFRJ, acabam de realizar, em conjunto com as associações das comunidades Vazanteiras de Pau Preto, Pau de Légua e Lapinha, uma documentação sobre a luta dessas populações para permanecerem em seus territórios. O objetivo é dar visibilidade às comunidades que vivem às margens do Rio São Francisco e sofrem com o descaso e a falta de diálogo do poder público, através deste blog, que integra artigos, fotografias e vídeos que trazem depoimentos dos ribeirinhos sobre sua cultura, história de luta e a atual situação em que se encontram.

O blog será atualizado semanalmente com novos vídeos, fotografias e notícias sobre o processo de retomada de território, no esforço de que possa repercutir nacionalmente a luta dos vazanteiros, dando mais visibilidade para essas populações tradicionais que reivindicam seus territórios. Além de ser uma alternativa para essas comunidades, carentes de uma cobertura mais honesta das grandes mídias, sem aquela visão parcial e superficial, em que as famílias locais são tachadas de invasoras apenas porque reivindicam as obrigações do governo.

Como bem assinala Zé Alagoano da comunidade de Pau Preto, “é o estado que não está cumprindo com seus deveres, nós tamo cumprindo, então foi obrigado nós tomá essa atitude.”